Os sons do Alentejo Litoral já estão guardados para «memória futura»

Durante uma semana, foram recolhidos sons em cinco concelhos alentejanos, alguns em risco de desaparecer

Colecionadores de sons e artistas andaram pelo Alentejo Litoral a recolher paisagens sonoras para memória futura, durante a primeira residência artística em Portugal do Projeto Internacional Sonotomia, que aconteceu entre os dias  14 e 21 de Setembro.

Ao longo de uma semana, criadores, cientistas, tecnólogos, gestores culturais e  peritos em património cultural e natural  de diferentes países captaram «registos sonoros em dezenas de horas de gravação que abarcam, além do Atlântico e da faixa costeira, rios, lagoas, lagoas, barragens, quedas de água, aquedutos, fontes e outros mananciais», segundo a associação Pedra Angular, que coordena o projeto.

Esta recolha foi feita em cinco concelhos alentejanos: Santiago do Cacém, Sines, Odemira, Alcácer do Sal e Grândola.

Entre as paisagens sonoras captadas, estão «o ribombar das vagas que se despedaçam nas praias de Sines, um mundo subaquático feito da invisível comunicação entre espécies marinhas no porto da mesma cidade alentejana e o discreto marujar das águas em fontes rurais do concelho de Odemira».

No terreno, estiveram os artistas sonoros Jaime Man (Reino Unido), André Pinto, André Fonseca, Duarte Lemos e Vasco Rodrigues (Portugal), acompanhados pelo engenheiro de som holandês Wes Broersen e pelo compositor português João Loureiro, que viveu 21 anos em Londres.

 

 

A equipa muniu-se «de tecnologia de captação de som (4DSound, desenvolvido por peritos em acústica da Hungria, Países Baixos e Alemanha) e de vontade para palmilhar dezenas de quilómetros de praias, arribas, falésias, margens de rios, aquedutos e canais de aproveitamento hidroagrícola, com um objetivo final: contribuir para a rede internacional que se propõe registar para a posteridade os sons europeus no seu contexto natural e humano».

Afinal, o projeto Sonotomia, uma ação europeia, tripartida entre Portugal, Espanha e Hungria, debruça-se sobre «o património sonoro do velho continente e objetiva esta atenção com bastante trabalho de campo – no caso português, centrado em diversas terras litorais do Sudoeste do nosso país».

«Já valiosos em si mesmos, do ponto de vista científico e cultural, os registos sonoros captados vão ficar umbilicalmente associados a uma fileira de obras que incluem composições musicais, instalações, peças literárias, land art, todas elas refletindo, direta ou indiretamente, o papel decisivo da água e das zonas húmidas na vida das comunidades humanas», ilustrou a Pedra Angular, associação que organiza também o Festival Terras sem Sombra.

Alguns dos sons agora recolhidos «correm o risco de extinção devido à pressão sobre os ambientes naturais. O trabalho de registo sonoro exigiu, em casos pontuais, a paciência e o silêncio de horas dos participantes na residência artística. Aves, anfíbios, insetos e peixes, são espécies ariscas que pedem observação atenta e paciente, sem pressas, nem gestos ousados, e que contribuíram para a biblioteca seletiva de registos das paisagens sonoras coligida pelos participantes na iniciativa».

 

 

No final, houve um Alentejo aquático que «ficou imortalizado pelos sons de lugares como o Salgueiral da Galiza ou o Monte do Outeirão (Estação Ornitológica Nacional), em Santiago do Cacém».

Para a posterioridade ficaram, ainda, os sons da Baía e do Cabo de Sines, «sem esquecer a Praia Vasco da Gama e os Portos industrial e de recreio desta cidade», mas também o território de Odemira, em pontos «como o rio Mira, a Cascata do Bosque, além do afã das comunidades de pescadores».

«As águas do rio Sado, em Alcácer do Sal, e o ecossistema constituído pela Lagoa de Melides, em Grândola, mereceram igualmente registos sonoros. Vento, ondulação, ruídos produzidos pelos peixes e outros seres marítimos e fluviais, o grasnar das aves marinhas e dos inúmeros habitantes de galerias ripícolas, as quedas de água, as embarcações, entre muitos outros sons, foram o foco de uma recolha que culminará, para além dos resultados em si mesmos, numa peça sonora coletiva denominada “Sonotomia” e numa obra musical de João Loureiro, a apresentar em breve», concluiu a associação.

«Esta primeira residência obteve resultados extraordinários», considerou o geógrafo Antonio Jiménez, diretor da Fundação Santa Maria de Albarracín, parceiro espanhol da iniciativa.

«Após uma semana de intensa atividade em que pudemos levar a cabo um trabalho rigoroso do ponto de vista da cobertura territorial e da representatividade sonora, tirando partido da mais moderna tecnologia, fez-se a apresentação pública de uma instalação sonora francamente interessante», acrescentou.

Os resultados deste trabalho criativo serão alvo de estreias nas próximas edições do Festival Terras sem Sombra e nos ciclos musicais de Albarracín.

«Somos a nossa memória, mas no Alentejo litoral corremos o risco de sofrermos de amnésia. Territórios em rápida transformação, como a franja costeira ou as bacias hidrográficas dos principais rios, merecem grande atenção. Os criadores e cientistas desempenham um papel essencial na definição do futuro, eles veem mais longe», disse, por seu lado, José António Falcão, coordenador do projeto em Portugal.

«O Terras sem Sombra vai incorporar essas reflexões e obras de arte na programação dos próximos anos, estamos entusiasmados com as peças que brotam desta experiência e se perfilam como uma mais-valia para aprofundar o conhecimento do Alentejo e internacionalizá-lo. Trata-se de um passaporte de certo modo único para o património da Europa dos sons», diz Sara Fonseca, diretora executiva do festival.

 

 

A recolha de sons contou com a colaboração de José Carlos Farinho, Isa Figueira e Paulo Encarnação, do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, do professor João Castro e das investigadoras Teresa Silva e Cristina Espírito Santo, da Universidade de Évora, assim como de Ricardo Pereira, diretor do Museu de Sines, de Mário Pires e António Jorge, «bons conhecedores das comunidades piscatórias odemirenses», e dos peritos Paul Oomen, Poul Holleman, Tessa Nijdman, Monica Busquets e Olga Glumac.

Sonotomia é uma iniciativa da Pedra Angular, associação de salvaguarda do património do Alentejo que organiza o Terras sem Sombra, sendo parceiros a Fundação Santa Maria de Albarracín, do Governo Autónomo de Aragão, com sede na cidade de Albarracín (Teruel), em cuja serra nasce o rio Tejo, e a 4D Sound Studio, instituição de investigação científica e criação artística com sede em Budapeste e pólos em Amesterdão e Berlim.

O projeto faz parte do Europa Criativa, o programa da União Europeia de apoio aos setores cultural e criativo que reúne algumas das mais inovadoras ações neste âmbito, ao nível dos 27 estados-membros.

 

Fotos: Projeto Sonotomia | Pedra Angular

 

 

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