Alentejo, um contributo para a sua especialização inteligente

O eixo ecológico-digital será a coluna vertebral de uma nova economia e da futura especialização inteligente do Alentejo no horizonte temporal da década 2030

O quadro geral é conhecido. Estamos em plena pandemia, executamos um programa de estabilização económica e social até ao final deste ano e o atual quadro comunitário de apoio até 2023.

Ao mesmo tempo, preparamos um programa de recuperação da economia (PRE) que se acrescentará aos programas operacionais do próximo quadro financeiro plurianual (QFP).

As grandes orientações políticas da União Europeia são, também, já conhecidas: um pacto ecológico europeu, uma Europa em transição para a era digital, uma economia ao serviço das pessoas, a promoção do modo de vida europeu.

Por isso, não vamos voltar, não podemos voltar, ao “normal 1.0” sob pena de deitarmos tudo a perder. Digamos, antes, que entraremos num “normal 2.0” onde o eixo ecológico-digital será a coluna vertebral de uma nova economia e da futura especialização inteligente do Alentejo no horizonte temporal da década 2030.

 

I. O contexto europeu

O programa “Europa Digital” faz parte do capítulo sobre o “Mercado Único, Inovação e Digital” tal como consta da proposta de orçamento da UE para o quadro financeiro plurianual (2021-2027).

Por outro lado, os projetos de infraestruturas digitais no âmbito do Mecanismo “Interligar a Europa” procuram garantir que, até 2027, todos os grandes agentes socioeconómicos, tais como escolas, hospitais, redes de transportes, principais prestadores de serviços públicos e empresas com uma elevada utilização de meios digitais tenham acesso a ligações de banda larga orientadas para o futuro.

Para além do programa “Europa Digital”, será necessário reforçar o financiamento da investigação e da inovação no domínio das tecnologias digitais, no contexto do próximo quadro financeiro plurianual, a título do programa “Horizonte Europa”.

Em síntese, a proposta da Comissão centra-se em cinco domínios principais:

Supercomputadores: o objetivo é desenvolver e reforçar a supercomputação e o tratamento de dados na Europa, aspeto de importância fundamental para o desenvolvimento de inúmeros domínios, dos cuidados de saúde e das energias renováveis à segurança dos veículos e à cibersegurança.

Inteligência artificial (IA): o objetivo é facultar o acesso, em toda a Europa, a plataformas abertas e a espaços de dados industriais para a inteligência artificial, que estarão disponíveis nos “polos de inovação digital” onde as pequenas empresas e os inovadores locais poderão usufruir de instalações de ensaio e obter conhecimentos.

Cibersegurança e confiança: o objetivo consiste na proteção da economia digital, da sociedade e das democracias da UE através da promoção da ciberdefesa e da indústria da cibersegurança da UE, do financiamento de equipamentos e infraestruturas de ponta no setor da cibersegurança, bem como do apoio ao desenvolvimento das competências e conhecimentos necessários.

Competências digitais: no quadro do programa Europa Digital, os “polos de inovação digital” levarão a cabo programas específicos para ajudar as pequenas e médias empresas e as administrações públicas a dotarem o seu pessoal das competências necessárias para acederem às novas oportunidades proporcionadas pela supercomputação, a inteligência artificial e a cibersegurança.

Garantir a utilização generalizada das tecnologias digitais: os “polos de inovação digital” funcionarão como balcões únicos para as pequenas e médias empresas e as administrações públicas, permitindo-lhes ter acesso a conhecimentos tecnológicos especializados, a instalações de ensaio e à prestação de serviços de aconselhamento.

A rede de “polos de inovação digital” será um dos elementos-chave da estratégia de digitalização da indústria europeia.

 

II. A digitalização da região “Alentejo 2.0”

Como disse antes, o grande desafio do Alentejo para a década de 2020-2030 será monitorizar e coordenar a dupla transição ecológico-digital, o “normal 2.0”, e o seu impacto nas fileiras económicas e cadeias de valor regionais, ao longo do próximo programa de recuperação económica e do quadro financeiro plurianual 2021-2027.

Para realizar este objetivo “Alentejo 2.0” existe, porém, um risco elevado e um custo de oportunidade significativo, a saber, as prioridades a curto e médio prazo da despesa pública, confrontada com a emergência e o resgate de uma economia em crise profunda pós-pandemia, poderão condicionar e inviabilizar o investimento público e privado que é necessário ao longo da década.

Em minha opinião tudo dependerá de dois fatores fundamentais: em primeiro lugar, a mobilização efetiva de uma “quantidade apreciável de fundos europeus não reembolsáveis” para o nosso país, em segundo lugar, a montagem de um “centro de operações eficaz e efetivo em cada região NUTS II” e a concertação política regional em torno de atores-rede ou agentes qualificados que compreendam o novo normal 2.0 e realizem, na prática, as medidas de política elegíveis para a ecorregião do Alentejo.

Em matéria de agentes qualificados para a nova economia digital, a região apresenta um défice estrutural, ou seja, a região não tem “sistema operativo adequado” para a transformação digital e empresarial.

A título de exemplo, a região não tem uma sociedade de capital de risco, um banco de investimento, uma sociedade de desenvolvimento regional, dois ou três business angels acreditados, um hub tecnológico ou uma incubadora reputada de start ups, plataformas colaborativas ou um fablab digital colaborativo, uma sociedade de crowdfunding, o que, no conjunto, nos dá uma ideia do imenso trabalho a realizar pelas atuais instituições regionais.

 

III. O quadro programático, os eixos do novo normal 2.0

Num plano mais programático, o meu contributo para o rationale do novo normal 2.0 da ecoregião do Alentejo poderia apresentar-se da seguinte forma:

A) Eixos transversais
1. Infraestruturas digitais de banda larga (4G+5G) em todo o território regional,
2. Literacia e capacitação digital, uma “escola regional de artes e tecnologias”,
3. Um programa de regeneração do capital natural da região,
4. Serviços, inovação social e sociedade sénior, programa envelhecimento ativo,
5. Cidades inteligentes e criativas, um programa regional de artes e cultura,
6. Os grandes complexos do Alentejo, uma rede ecológica e digital fundamental.

B) Eixos sectoriais e serviços de rede
7. Eficiência na gestão de redes de energia renovável,
8. Eficiência na gestão energética do parque habitacional,
9. Eficiência na gestão dos recursos hídricos,
10. Eficiência na mobilidade elétrica e gestão intermodal,
11. Eficiência na rede de cuidados de saúde
12. A recuperação da economia do montado e a silvicultura preventiva,

C) Eixos verticais
13. A modernização digital das fileiras económicas tradicionais
14. A modernização digital e a criação de novas cadeias de valor regionais
15. Uma escola profissional para a formação de empresas e empresários

D) O ecossistema digital do Alentejo: os centros de operações
16. O polo regional de inovação digital,
17. O Alentejo Start Up e os espaços de coworking regionais, nas CIM,
18. A escola de artes e tecnologias do Alentejo e a escola empresarial,
19. O laboratório de economia circular e gestão eficiente das cadeias de valor.
20. A criação da rede regional de ensino superior e investigação.

No plano da digitalização da economia, a este quadro programático deverá corresponder uma nova configuração de administrações-plataforma:

– Ao nível regional NUTS II, a CCDR deve ensaiar uma meta-plataforma regional de programação e planeamento, apoiada, para o efeito, pelo centro de dados do polo de inovação digital,

– Os núcleos empresariais sub-regionais devem lançar uma plataforma colaborativa “Alentejo Empresarial” de apoio à escola empresarial e fazer nessa sede uma gestão eficiente das respetivas fileiras e cadeias de valor reais e potenciais,

– Ao nível nacional deve ser definida uma política de dados abertos, de tal modo que os programas operacionais regionais sejam, em si mesmos, um forte incentivo para o lançamento de empresas start up com maior conteúdo de bens e serviços digitais,

– Os grandes empreendimentos de fins múltiplos do Alentejo (os seus complexos) – Sines, Alqueva, aeroporto de Beja, complexos mineiros – pela sua dimensão e impacto podem e devem construir uma rede básica ecológica e digital regional,

– As instituições de ensino superior deverão criar uma rede integrada de ensino superior e investigação que seja a retaguarda científica e tecnológica da especialização inteligente regional.

 

IV. As opções políticas, a operacionalização do espaço regional

A este nível as minhas propostas são as seguintes:

1) Formação de um Conselho Executivo Regional presidido pelo presidente da CCDR e reuniões mensais deste órgão,

2) Uma nova arquitetura dos serviços regionais com base numa “plataforma analítica territorial” gerada a partir de um Pólo de Inovação Digital,

3) Formação de um Conselho de Concertação Regional,

4) Criação em cada NUTS II de uma “escola de artes e tecnologias” com a missão de apoiar a transformação digital da sociedade e promover a literacia digital dos cidadãos.

Ao nível das Comunidades Intermunicipais (CIM), o modelo de administração funcionaria do seguinte modo:

1) A nomeação de uma estrutura de missão ou administração dedicada em cada CIM,

2) A criação de uma “rede analítica CIM” com ligação ao Pólo de Inovação Digital da CCDR,

3) A assinatura de um Contrato de Desenvolvimento Territorial com cada CIM; um protocolo estabelece as atribuições próprias e delegadas das CIM,

4) Definição de um nível de “subvenções CIM” cujos critérios de afetação serão estabelecidos pelo Conselho de Concertação Regional sob proposta da CIM.

 

Notas Finais

Como sabemos, quase todos os eixos precisam de um ator-rede, um agente qualificado, e logo aqui a inovação institucional é muito importante para proceder a essa delimitação.

Os empreendimentos de fins múltiplos, as instituições de ensino superior, as associações empresariais, as coletividades territoriais, formam uma espécie de quadratura do círculo no que diz respeito à criação e formação desses agentes qualificantes regionais.

Uma estrutura de concertação regional pode ter essa incumbência, encimada pela CCDR e por um presidente eleito em colégio eleitoral, de acordo com uma conceção regionalista que eu aqui designo por “regionalização funcionalista”.

Quero sublinhar o nexo direto de causalidade, agravado no caso do Alentejo, entre transição ecológica, transição digital e cadeias de valor regionais. A biodiversidade, as infraestruturas ecológicas e os serviços de ecossistema traduzem-se em mais e melhores sistemas alimentares, produtos regionais de qualidade e nichos de mercado.

As fileiras económicas e as cadeias de valor regionais dependem diretamente deste nexo de causalidade que todos desejamos que seja virtuoso. Uma proposta ambiciosa, sem dúvida.

Não esqueçamos, porém, que é um projeto para uma década e com muitos recursos financeiros provenientes da União Europeia. Certezas, apenas uma. Não teremos outra oportunidade, assim.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

 



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