Comportamento emocional em organismos-modelo aquáticos revisto por investigadores da UÉ

Nenhum animal é uma replicação perfeita do cenário emocional humano

Os investigadores do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE-UE) da Universidade de Évora (UÉ), Filipe Banha e Pedro Anastácio, integraram uma equipa de investigadores que reviu o conhecimento sobre comportamento emocional em organismos-modelo aquáticos, utilizando como objeto de estudo lagostins e peixes-zebra, espécies que têm uma considerável homologia genética, fisiológica e comportamental com mamíferos.

Os modelos animais experimentais representam uma valiosa ferramenta para estudar a neurobiologia do comportamento emocional e os seus mecanismos subjacentes aos distúrbios afetivos humanos, pelo que, neste artigo publicado no volume de Maio de 2020 da revista científica internacional Journal of Neuroscience Research, os autores abordam descobertas recentes sobre stress, ansiedade, agressividade e preferências sociais.

Os autores discutem ainda como usar estes novos organismos-modelo no campo da psiquiatria biológica translacional, podendo facilitar assim a descoberta de novos medicamentos para o tratamento destes distúrbios emocionais.

Uma resposta emocional contém componentes subjetivas, comportamentais e fisiológicas, sendo que as duas últimas podem ser avaliadas em animais, tanto em espécies de vertebrados (como é o caso do peixe-zebra) como em invertebrados (por exemplo, os lagostins).

As características etológicas das espécies analisadas, nomeadamente nos seus comportamentos anti predatórios e sociais, podem oferecer uma oportunidade para desenvolver ensaios comportamentais.

Encontrados em ambientes de água doce, os lagostins são animais que procuram criar domínio social.

Já os peixes-zebra, nativos do sudeste da Ásia, são espécies altamente sociais cujo comportamento inato envolve a natação ordenada e sincronizada em cardumes que visa aumentar a probabilidade de um peixe individual se proteger dos predadores.

Em termos mecanísticos, o estudo menciona uma vasta lista de testes, envolvendo o sistema serotoninérgico (serotonina é um neurotransmissor que atua no cérebro, estabelecendo comunicação entre as células nervosas) bem como a administração de outros fármacos (como cocaína, morfina, metanfetamina, etc.) no sentido de avaliar os níveis de agressividade, ansiedade, stress e de preferência social nestas duas espécies.

Por exemplo, a serotonina desencadeia comportamentos agressivos nos lagostins, visíveis na redução da probabilidade de recuo e aumentando a duração das lutas entre eles, provocando assim uma abordagem pró-agressiva.

Normalmente o status social do lagostim é estabelecido em função de lutas nas quais “reina a lei do mais forte”, contudo, lagostins mais pequenos tratados com serotonina são capazes de vencer esses confrontos frente a outros fisicamente mais fortes.

Contrariamente, no caso dos peixes-zebra, a serotonina reduz o comportamento agressivo e aumenta a preferência social.

Já a exposição a morfina, cocaína e metanfetamina, aumenta a mobilidade dos lagostins. Assim como o lagostim, o peixe-zebra também é altamente sensível à ação farmacológica, verificando-se, por exemplo, o aumento da sua atividade locomotora após ser exposto à anfetamina.

Em suma, esta investigação, coordenada pela investigadora Marta Soares do CIBIO-InBio da Universidade do Porto, destaca que nenhum animal é uma replicação perfeita do cenário emocional humano, nem todos os critérios podem ser enquadrados por um único modelo de comportamento afetivo, contudo, as evidências apresentadas nesta relevante revisão sugerem que tanto os lagostins como os peixes-zebra são modelos experimentais promissores, particularmente na investigação acerca de potenciais processos de dependência, já que demonstram sensibilidade às drogas humanas de abuso, podendo deste modo ser usados no desenvolvimento de estudos em psiquiatria biológica translacional.

 

 



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