O novo aeroporto de Lisboa, em Beja!

Agora que se discutem, mais uma vez, medidas de política para o interior do país, é minha convicção de que nunca resolveremos problemas de longo prazo com medidas de curto prazo

Não, caro leitor, não é isso que está a pensar, não venho propor que se faça o novo aeroporto de Lisboa em Beja. Em vez disso, venho sugerir que se considere, como medida fundamental de política de coesão territorial, o aeroporto de Beja como complementar ao aeroporto de Lisboa e ao aeroporto de Faro.

Reconheço a dificuldade do exercício, compreendo a urgência do problema, não respondo a nenhum arranjo de conveniência de última hora e muito menos tenho a pretensão de trazer aqui um novo rational sobre o assunto.

A minha intenção, muito simplesmente, visa apenas aduzir alguns argumentos de uma geoeconomia de longo prazo que estão geralmente ausentes de avaliações técnicas de curto e médio prazo e que se prendem, justamente, com efeitos externos longos no preciso momento em que as alterações climáticas aconselhariam a sermos mais avisados na consideração desses efeitos externos que, geralmente, não estão no radar dos avaliadores que hoje tomam as decisões.

Agora que se discutem, mais uma vez, medidas de política para o interior do país, é minha convicção de que nunca resolveremos problemas de longo prazo com medidas de curto prazo. Por isso, apresento alguns argumentos que apontam para uma opção geoestratégica do aeroporto de Beja.

Em primeiro lugar, é bom lembrar que o estuário do Tejo e a Ria Formosa são duas zonas extraordinariamente sensíveis do ponto de vista ecológico e que qualquer extensão dos dois aeroportos já existentes não é, no mínimo, uma prova de grande inteligência, no preciso momento em que as alterações climáticas e todas as recomendações de política ambiental nos dizem para ir na direção oposta; ninguém seguramente deseja transformar uma má decisão hoje numa tragédia amanhã.

Em segundo lugar, se quisermos que a cidade de Lisboa e a área metropolitana cresçam de forma harmoniosa e proporcionada nos próximos anos e que as políticas públicas da autarquia façam justiça ao cidadão residente em Lisboa, se quisermos que Lisboa seja mesmo uma cidade inteligente e criativa e não apenas uma cidade smarty é um imperativo de consciência impedir que a cidade seja um vazadouro turístico e refém de uma bolha imobiliário-turística, que corra atrás de problemas de gentrificação e guetização social e que a sua política urbana seja um arrazoado de medidas de banco de urgência que infernizam a vida dos lisboetas.

Em terceiro lugar, o crescimento exponencial de Sines nos próximos anos com a construção de um novo terminal e outros grandes investimentos já previstos pode desequilibrar ainda mais a distribuição da população urbana do Baixo Alentejo e, nessa medida, o aeroporto de Beja pode e deve funcionar como polo agregador de novas atividades e assim contribuir para reduzir a assimetria para o litoral alentejano.

Em quarto lugar, o aeroporto de Beja, sendo uma infraestrutura complementar dos aeroportos de Lisboa e Faro seria, também, um grande centro internacional de manutenção e reparação de aeronaves, adquirindo, por essa via, novas funcionalidades técnicas e científicas.

Em quinto lugar, e agora que se publicam vários programas de descarbonização da economia no horizonte 2030, esta seria uma grande oportunidade para descarbonizar a A2, criando, para o efeito, no âmbito do plano ferroviário revisto, comboios de alta velocidade que façam a ligação Beja-Lisboa e Beja-Faro em uma hora.

Em sexto lugar, Beja seria o local indicado para um hub logístico de grande importância na área de influência do grande complexo de Sines, no prolongamento da A26 autoestrada do Baixo Alentejo, no alinhamento do corredor metropolitano que liga as áreas metropolitanas de Lisboa e Sevilha, no cruzamento com a A2 e no enfiamento da ligação ferroviária e rodoviária que ligará Sines e Badajoz ao centro da península ibérica. Falta, aqui, manifestamente, reflexão estratégica para adensar a futura malha urbana destas interligações.

Em sétimo lugar, e mais uma vez potenciado pelas interconexões permitidas pelo novo aeroporto de Beja, teríamos aberto uma janela de oportunidade para, no quadro do plano ferroviário, abordar a ligação em alta velocidade de Beja a Faro e a partir de Faro reconsiderar as ligações ferroviárias do Algarve a Espanha.

Em oitavo lugar, o novo aeroporto de Beja e o hub logístico que lhe corresponde funcionariam como acelerador da integração económica das duas regiões do Sul de Portugal (menos de um milhão de habitantes), mas, sobretudo, criariam uma maior centralidade para a fachada transfronteiriça e para o papel de “agente de desenvolvimento regional” a desempenhar pela Eurorregião AAA.

Em nono lugar, importa lembrar que o sudoeste peninsular é, de acordo com todos os estudos, uma das sub-regiões mais atingidas pelas alterações climáticas, razão pela qual se afigura fundamental que a Eurorregião AAA crie a curto prazo, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, um ator-rede institucional que administre a tempo e horas a política de remediação, mitigação e adaptação que se impõe.

Em décimo lugar, e do ponto de vista do balanço financeiro geral, não parece que haja grandes desequilíbrios pelo facto de o novo aeroporto de Lisboa, no Montijo ou em Alcochete, dar origem a duas ligações ferroviárias rápidas entre Lisboa e Beja e Beja Faro.

O plano de descarbonização para 2030, a revisão do plano ferroviário, a eliminação da central térmica de Sines, os apoios do fundo europeu de transição justa e do pacto ecológico europeu para economia verde e circular podem compensar se, para tanto, a Eurorregião se souber posicionar e for politicamente relevante.

Aqui chegados, se o leitor não achar a minha proposta verosímil e há boas razões para isso, então, tenho duas propostas mais simples em que pode facilmente apostar.

A primeira já existe em várias zonas do Alentejo, mesmo em áreas sensíveis do ponto de vista ambiental, vou designá-la de “industrialismo tardio”. Trata-se de levar a cabo a “smartificação agroindustrial do Alentejo” que começa em Odemira e termina no Alqueva.

De forma ainda mais cruel, trata-se de “desertificar para industrializar”, isto é, de trocar a baixa densidade populacional pela monocultura industrial através da plantação de culturas industriais intensivas.

Neste caso, a exploração comercial do aeroporto de Beja seria, no essencial, um aeroporto de carga que poderia muito bem ser sido concedida a terceiros.

A segunda proposta é, porventura, menos verosímil e pode coabitar parcialmente com as anteriores, vou designá-la de “Alentejo verde, região biogeográfica”. Trata-se de marcar o Alentejo com sinais distintivos claramente agroecológicos e biogeográficos, com um destaque especial para as áreas sensíveis, os montados, os bosquetes, os terroirs vinhateiros, o agroturismo e o turismo rural, mas, também, os endemismos e a biodiversidade, as indicações geográficas de proveniência, a arquitetura paisagística e as paisagens literárias.

Se quisermos, trata-se de colar à região uma forte imagem de marca “ecológica e romântica” de tal modo que seria capaz de gerar um fluxo significativo de visitantes, nacionais e estrangeiros, que buscam simultaneamente o Alentejo e o Algarve. Neste caso, o aeroporto de Beja seria um aeroporto multifunções, servindo Sines, o Alentejo turístico e o Algarve turístico.

Notas Finais

Vejamos, agora, a verosimilhança do exercício acabado de fazer. No plano da geoeconomia de médio e longo prazo, receio bem que prevaleça a inércia do movimento e a navegação à vista.

Se nada fizermos para contrariar esta dinâmica de litoralização, Lisboa, o seu novo aeroporto e a sua área metropolitana viverão assoberbados com os seus problemas e consumindo uma quantidade crescente de recursos que nos fazem muita falta. Sines crescerá cada vez mais arrastando para a sua área de influência não apenas uma parte crescente dos alentejanos, mas, também, uma parte substancial dos problemas ambientais do país.

O Algarve viverá uma espécie de tragédia dos comuns pois a falta de água, a subida das temperaturas e a erosão costeira serão preocupações cada vez maiores. Ao mesmo tempo, o país centralista e metropolitano considerará que a remediação, a mitigação e a adaptação do interior serão medidas suficientes para lidar com as assimetrias crescentes e as crises climáticas, uma vez que as enormes externalidades negativas das grandes metrópoles e das áreas costeiras consumirão recursos substanciais que o país não tem.

O resultado é fácil de prever, o país venderá parcelas substanciais do seu território a interesses estrangeiros, desde largas extensões do património de Lisboa, às infraestruturas de Sines, às grandes propriedades do Alentejo e ao imobiliário-turístico algarvio.

No final, tudo ponderado, não parece haver dúvidas, não haverá um aeroporto de Beja para servir os aeroportos de Lisboa e Faro. As segunda e terceira propostas terão maior verosimilhança. Entretanto, o aeroporto de Beja será um aeroporto do “tipo lego” que esticará e encolherá conforme as necessidades de ocasião. Para adultos brincarem.

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