Terras sem Sombra em Mértola: entre o legado islâmico, o canto gregoriano e o futuro

Os arqueólogos Susana Gómez e Cláudio Torres são os guias da tarde à descoberta do património

Um regresso ao passado, com os pés bem assentes no presente e o olhar no futuro. Esta é a proposta para mais um fim-de-semana do Festival Terras sem Sombra, este sábado e domingo, dias 15 e 16, desta vez em Mértola.

O programa de música apresenta a excelência ímpar do Canto Gregoriano a cappella pelo contratenor espanhol José Hernández Pastor, no concerto marcado para a noite de amanhã, sábado.

A ação de Património convida a olhar o território através do legado do Islão e, no âmbito da Salvaguarda da Biodiversidade, redescobrem-se práticas agrícolas sustentáveis.

O Festival Terras sem Sombra, na sua tríplice abordagem de música, património e biodiversidade, propõe na região alentejana de Mértola um olhar que resgata o passado, a partir do presente, com vista ao futuro.

 

Hernandéz Pastor

Assim, o Canto Gregoriano vai ouvir-se a cappella na interpretação de certo modo única do contratenor espanhol José Hernández Pastor, tendo por palco o ambiente de um monumento muito especial, a Igreja Matriz de Nossa Senhora de Entre-as-Vinhas, antiga Mesquita, no sábado, às 21h30.

O programa, imbuído de profunda espiritualidade, intitula-se justamente “Nas Asas do Espírito – Voz e Silêncio”. O carácter intimista do espetáculo e um repertório que aflora temas como a luz, a esperança ou o milagre indiciam uma noite repleta de emoções.

Na apreciação de Juan Ángel Vela del Campo, diretor artístico do Festival, Hernández Pastor “transmite uma experiência em que se fundem a voz e o silêncio, a reflexão e a serenidade, o recolhimento e a beleza meditativa”.

Também Ángel Medina, catedrático de Musicologia da Universidade de Oviedo, elogia o talento do contratenor valenciano: “admiro o seu trabalho, a beleza da sua voz, a subtileza da sua maneira de interpretar as palavras e a sua afinação, assim como a inquietação artística que orienta a sua carreira”.

O musicólogo colaborou com Hernández Pastor na escolha das peças, sugerindo e cedendo alguns exemplares de grande importância musicológica no repertório do Canto Gregoriano.

Sobre a qualidade do programa não tem dúvidas:“este concerto cerimonial irá jornadear por muitos outros lugares, preferentemente igrejas, nas quais o intérprete deambula, aparece e desaparece, canta e deixa correr o silêncio, espargindo melodias que submergem o ouvinte num estado de concentração espiritual único”.

 

Cláudio Torres

Cláudio Torres e Susana Gómez mostram o legado islâmico

No sábado à tarde, o encontro está marcado para as 15h00, na Igreja Matriz de Mértola, para uma viagem de redescoberta do legado islâmico da vila.

A atividade de Património será orientada pelos arqueólogos Susana Gómez Martínez e Cláudio Torres, do Campo Arqueológico de Mértola, instituição que desde há décadas se dedica a estudar os vestígios do período islâmico naquele concelho alentejano.

Mértola foi nos séculos XI e XII, capital de um reino islâmico e um importante porto comercial nas rotas do Mediterrâneo. Aproveitando um esporão rochoso que separa o Guadiana da ribeira de Oeiras, era ponto fulcral no domínio do Baixo Alentejo.

Não admira, portanto, que acolha hoje o único museu islâmico em Portugal criado para preservar os achados arqueológico e edifícios mais emblemáticos, mantendo um importante acervo que ajuda a compreender e a conhecer os mais de cinco séculos de presença islâmica na região.

O legado do Islão moldou a paisagem urbana e rural e deixou traços na vida e nos costumes da população local, mas não constituiu um facto isolado, pelo contrário, inseriu-se numa longa conjuntura, definida pela geografia e pela história.

Como refere José António Falcão, diretor do Festival Terras sem Sombra e historiador de arte, “a herança islâmica revela-se à saciedade nas ruas da urbe, nas muralhas, nos vestígios da antiga mesquita, transformada em igreja após a conquista, em 1238, pela Ordem de Santiago, bem como as escavações de uma extensa zona habitacional, erguida no século XII”.

 

Recuperar práticas de agricultura sustentável

A findar o programa deste fim-de-semana em Mértola, a manhã de 16 de Fevereiro (9h30), domingo, agenda uma visita à Horta da Malhadinha, numa ação de educação para a biodiversidade e salvaguarda dos ambientes naturais e humanos.

A agricultura sustentável, na Horta da Malhadinha, propriedade agrícola pertença do Campo Arqueológico de Mértola, é exemplo de um sistema que adapta as culturas ao clima e aos solos locais.

No caso vertente, a propriedade ocupa as encostas xistosas do Vale do Guadiana e recupera, desde 2010, uma antiga horta mediterrânica.

Um espaço de cultivo de aromáticas para obtenção de plantas secas em modo biológico e que conta com o empenho do agricultor António Coelho.

Este será um dos guias no decorrer da visita do Festival Terras sem Sombra, a par de Dayana Andrade, perita em Ciências Ambientais e Conservação, e de Ana Morais, bióloga.

A escola primária de Santana de Cambas, freguesia rural do concelho, onde uma horta minuciosamente cuidada pela comunidade escolar lhe fornece alimentos de alta qualidade, representa outra etapa nesta peregrinação pelos segredos da agricultura sintrópica.

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