Os Amigos da Coesão e a Declaração de Beja

«Em face das transições energética, ecológica, digital, migratória e social, como conciliar o curto, médio e longo prazos da política de coesão territorial na região do Alentejo?», questiona António Covas

Os 17 países “amigos da coesão” não podiam ter escolhido melhor para falar de política de coesão territorial do que o distrito de Beja e a região do Alentejo.

O que fez juntar os chefes de Governo de 17 países numa cimeira de um dia no Alentejo? O chamado “quadro financeiro plurianual” da União Europeia para o período 2021-2027 e a forma como será distribuído pelos diferentes fundos europeus e países membros, em particular, o Fundo de Coesão, o fundo que é distribuído aos países da UE com Rendimento Nacional Bruto per capita abaixo de 90% da média da União.

No final da cimeira, 15 dos países presentes assinaram uma declaração conjunta com a posição negocial que levarão ao Conselho Europeu do próximo dia 20 de Fevereiro.

A política de coesão, pela sua própria natureza, tem impactos diferenciados a curto, médio e longo prazo. Esses impactos podem ser descontinuados e temporalmente contraproducentes e a grande tarefa dos principais atores políticos e económicos é assegurar que essa transição se faz tranquilamente e na boa direção.

 

A política de coesão a médio e longo prazo

O Alentejo é um bom exemplo de algumas contradições que vive a política de coesão territorial quando diferenciamos temporalmente o “seu modelo de desenvolvimento”.

Se nos lembrarmos do complexo petroquímico de Sines, das pirites de Aljustrel, das minas de Neves-Corvo, das rochas ornamentais do Alto Alentejo, da agricultura intensiva dos regadios de Alqueva e Odemira, para referir apenas os principais empreendimentos, não posso deixar de me interrogar sobre a sustentabilidade de um modelo que assenta na exploração de recursos naturais que tem de ser rentabilizado no curto e médio prazo, é certo, mas cujo esgotamento é inelutável no médio e longo prazo.

Por isso, a minha interrogação fundamental é a seguinte: em face das transições energética, ecológica, digital, migratória e social, como conciliar o curto, médio e longo prazos da política de coesão territorial na região do Alentejo?

Ora, perante todos estes desafios, o Alentejo não tem um pensamento próprio, uma linha de rumo e um painel de bordo nesta matéria e não é com o atual modelo de desenvolvimento que irá prosperar no século XXI.

 

A cimeira de Beja

Evidentemente, a cimeira de Beja não tratou destes assuntos, nem esse era o seu propósito. Mas este é, justamente, o problema subjacente. Os políticos vivem o drama dos ciclos curtos, o tempo da sua reeleição, e nunca terão muito tempo para tratar dos problemas dos ciclos longos que, quase sempre, geram equívocos e mal-entendidos. Para quê, então, correr riscos desnecessariamente?

Neste contexto, a cimeira de Beja visou, simplesmente, marcar uma posição política por parte dos “países beneficiários” da política de coesão junto do Conselho Europeu que se realizará no próximo dia 20 de Fevereiro, tanto mais importante quanto a União já não contará com as contribuições significativas do Reino Unido para o orçamento.

A negociação está numa encruzilhada há meses. De um lado, estão os países que não querem reduzir o valor total do orçamento europeu (nem cortes nos fundos de coesão), do outro, estão os chamados cinco frugais, Alemanha, Holanda, Dinamarca, Suécia e Áustria, que continuam a apontar para um orçamento de 1% do Rendimento Nacional Bruto da UE e que não se importam de cortar na rúbrica de coesão para reforçar outros fundos com prioridades novas como o digital ou o ambiental.

Recordemos que, neste momento, existem três propostas em cima da mesa: a proposta da presidência finlandesa de 1,07% do RNB, a proposta de 1,11% da Comissão Europeia e a proposta de 1,3% do Parlamento Europeu.

Para desbloquear o impasse, o presidente do Conselho Europeu, Chales Michel remeteu a presidência croata para um papel secundário e convocou um Conselho Europeu extraordinário para o próximo dia 20 de Fevereiro que, em princípio – espera-se -, fixará a proposta definitiva para o quadro financeiro plurianual.

Neste contexto, a cimeira de Beja fez um voto para que Charles Michel leve aos países membros uma nova negotiation box que, não sendo muito diferente da proposta da Comissão Europeia, vá um pouco mais ao encontro das pretensões dos 17 países este sábado reunidos em Beja e até da própria proposta do Parlamento Europeu.

 

A Declaração de Beja

Estiveram presentes em Beja 17 países – Bulgária, República Checa, Estónia, Grécia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia, Portugal, Roménia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Itália e Croácia – e apenas estes dois últimos estados não assinaram a declaração conjunta no final, a Itália por não se rever em todos os pontos da declaração e a Croácia porque está, neste momento, a exercer a presidência da União.

A Declaração Final de Beja consagra cinco pontos principais:

– Em primeiro lugar, a declaração afirma que a necessidade de acordo sobre o quadro financeiro plurianual é uma prioridade para assegurar uma transição tranquila entre os dois períodos de programação.

– Em segundo lugar, o financiamento da Política de Coesão para o período de 2021-2027 deve manter o nível do quadro financeiro plurianual 2014-2021 em termos reais, e nenhum Estado membro deve sofrer uma forte e desproporcionada redução na sua dotação para a coesão de modo a intensificar os esforços para aumentar os investimentos que garantam a convergência económica, social e territorial, com foco especial nas regiões menos favorecidas.

– Em terceiro lugar, não se devem alterar as taxas de cofinanciamento de 85% para 70% como proposto pelos finlandeses e devem ser criadas as condições de utilização dos fundos que permitam que eles sejam plenamente executados, pois um dos principais problemas que permanece é o elevado valor de fundos ainda por executar.

– Em quarto lugar, os países defendem ainda uma maior “flexibilidade” no uso dos fundos para poderem adaptar-se aos desafios climáticos, a abolição de todos os sistemas de devolução (rebates) e ainda um sistema de recursos próprios “mais simples e mais justo”.

– Em quinto lugar, os novos Fundos para a Convergência e para a Transição Justa devem ter uma dotação orçamental adicional ao orçamento europeu e não ir buscar verbas aos fundos da Coesão e da Política Agrícola Comum; aliás, estes fundos serão cruciais para enfrentar as disparidades económicas e sociais que podem surgir das transições climática e digital.

 

Notas Finais

A União Europeia está numa corrida contra o relógio para aprovar o próximo quadro financeiro que deverá entrar em vigor a 1 de Janeiro de 2021, no mesmo dia em que começa a presidência portuguesa da União Europeia.

O primeiro-ministro português acredita que é possível chegar a um acordo nestes primeiros seis meses do ano. «Seria um péssimo sinal que a UE daria aos cidadãos europeus, às empresas europeias, ao conjunto dos agentes económicos, atrasar-se mais na aprovação», disse. Até porque, lembrou, «não podemos repetir, na transição do atual para o próximo quadro, os mesmos erros».

António Costa acrescentou que «nenhum estado membro deve sofrer um corte desproporcional nos montantes para a política de coesão, por isso, não devemos concluir o próximo Conselho Europeu sem um acordo definitivo sobre o quadro financeiro plurianual, tanto mais que, no caso de Portugal, está previsto um corte para as políticas de coesão na ordem de 1600 milhões de euros, em relação ao último quadro de apoio e segundo a proposta da Comissão Europeia».

No próximo dia 6 de Fevereiro, o primeiro-ministro deslocar-se-á a Bruxelas para, em nome de todos os países amigos da coesão, apresentar as conclusões desta cimeira aos presidentes do Conselho, do Parlamento Europeu, das Comissões de Política Regional e de Orçamento deste Parlamento, do Conselho Económico e Social e do Comité das Regiões, que, na esmagadora maioria, têm sido muito firmes na defesa da política de coesão como a política central da União Europeia.

Termino como comecei. O simbolismo político desta reunião cimeira na cidade de Beja, deveria ser pretexto para uma reflexão aprofundada sobre o futuro que queremos e desejamos para o Baixo Alentejo e o Alentejo no seu conjunto.

Apesar de trinta e cinco anos de política de coesão, a severidade climática, a erosão dos solos, a regressão demográfica, a transformação digital, a comunicação débil, vêm renovar os problemas longos do Alentejo. Uma palavra de esperança no futuro teria feito bem aos alentejanos.

 

Autor: António Covas é Professor Catedrático Aposentado da Universidade do Algarve

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