Terras sem Sombra: os checos, a ovelha mascote e uma surpresa em pleno Alentejo

Certame volta a juntar a música, a salvaguarda da biodiversidade e o património

Novas localidades do Alentejo abrangidas, a República Checa como país convidado, atividades dirigidas em especial às crianças e suas famílias, uma mascote fofinha e até um «concerto-surpresa, num lugar-surpresa». Estas são as principais novidades da edição de 2020 do Festival Terras sem Sombra, que ontem foi apresentado na biblioteca da Academia das Ciências, em Lisboa.

Amanhã, dia 9, o Terras sem Sombra dá o seu primeiro passo, mas, curiosamente, a milhares de quilómetros do Alentejo, onde o festival terá lugar: uma comitiva daquela região vai estar em Praga, capital da República Checa, até sábado, dia 11, para dar a ouvir o seu cante e dar a provar os seus produtos gastronómicos e vinhos.

A abrir a visita desta embaixada alentejana, o Grupo Coral “Os Boinas” atua no Convento de Santa Inês da Boémia, em Praga, numa cerimónia presidida pela vice-ministra da Cultura, Katerina Kalistová, que contará ainda com a soprano Barbora Kabátková, que atuará depois, no próximo dia 18, no concerto de abertura do Terras sem Sombra, em Vila de Frades, concelho de Vidigueira.

Na apresentação de ontem em Lisboa, José António Falcão, diretor geral do Festival Terras sem Sombra, começou por salientar que «a Academia das Ciências é talvez uma outra Casa do Alentejo» na capital. É que a instituição foi fundada por duas figuras ligadas ao Alentejo: o abade Correia da Serra e João Carlos de Bragança e Ligne de Sousa Tavares Mascarenhas da Silva, 2º duque de Lafões. É também uma instituição que «muito deve a D. Frei Manuel do Cenáculo, que custeou a construção desta biblioteca». Aquele era, portanto, «um sítio adequado para exaltar esta ligação ao Alentejo».

Aliás, Maria Salomé Pais, secretária-geral da Academia das Ciências, salientaria que o festival é «um exemplo para o país todo, porque é um projeto que enquadra a ciência, o saber, a cultura e o envolvimento de toda uma sociedade».

 

José António Falcão e o embaixador checo

José António Falcão anunciou que o festival passa, em 2020, pelos «quatro distritos» alentejanos e vai, pela primeira vez, abranger Castelo de Vide, Arraiolos, Alter do Chão e Viana do Alentejo.

Além da música, que é, obviamente o foco principal do Terras sem Sombra, continuará a haver «um grande empenho no património cultural e na biodiversidade» de todos os doze concelhos por onde passa o festival, «da costa ao interior, da zona raiana ao corredor do Alentejo central», onde até «existem outros patrimónios musicais, não só o cante, mas também as saias». O Festival Terras sem Sombra, sublinhou o seu principal responsável, promove, no fundo, uma «visão estratégica do Alentejo».

Ana Paula Amendoeira, diretora regional de Cultura do Alentejo, salientou, por seu lado, o facto de este festival «contar com cada vez mais municípios de todas as sub-regiões do Alentejo», o que mais não é que o afirmar do «crescimento com sustentabilidade» da iniciativa.

«Este festival é uma iniciativa que nos ensina as boas práticas na área da programação cultural, nas diferentes vertentes da educação, da formação, da exigência e do rigor. Fazer programação cultural não é um somatório de atividades», frisou.

Ana Paula Amendoeira fez questão de sublinhar que o Terras sem Sombra «alia dimensões que nunca deveriam estar separadas: ambiente, património cultural, educação cultural, território». O Festival, defendeu, é exemplo que que «a cultura não é possível sem ambiente e sem território».

«No Alentejo, precisamos de criar montados no seu sentido simbólico: usar o tempo na longa duração, para termos tempo para trabalhar e criar para os que virão depois de nós», disse ainda a diretora regional. O crescimento do festival, aliás, «tem sido sustentável, porque também não foi feito no sentido egoísta de pensar em crescer com rapidez, mas tem sido feito paulatinamente».

Aquela responsável fez também questão de felicitar os presidentes de Câmara – alguns dos quais presentes na apresentação em Lisboa – pela participação dos seus municípios no Terras sem Sombra, salientando que isso demonstra «uma visão avançada».

«Temos a bênção de ter um festival destes na nossa região, numa organização da sociedade civil», frisou igualmente Ana Paula Amendoeira, que terminou a sua intervenção descrevendo a iniciativa como «um festival solar numa terra sem sombra».

 

Ana Paula Amendoeira a falar

Petr Selepa, embaixador da República Checa, sublinhou que «existem poucos marcos históricos que liguem Portugal» e o seu país, embora as duas nações estejam hoje «mais próximas do que nunca». «Cada vez mais checos chegam a Portugal para conhecer as suas belezas naturais e também conheço muitas pessoas portuguesas que já visitaram Praga e o meu país». Por outro lado, há «milhares de portugueses formados numa das seis faculdades de medicina da República Checa».

O seu país, sublinhou o embaixador, «é uma pequena superpotência musical», evocando nomes como Bedřich Smetana, Antonín Dvořák e Leoš Janáček, mas falando não só da «música clássica e sacra, como do jazz instrumental e vocal».

«A música é um instrumento poderoso que pode tocar a alma de todos os homens, de todos os povos», salientou o diplomata, num português perfeito, para fazer votos que este convite para que a República Checa seja, este ano, o país convidado do Terras sem Sombra possa «apagar a distância linguística e geográfica» entre os dois países.

Juan Ángel Vela del Campo, diretor artístico do festival, acrescentou que os cinco concertos de música checa que integram o programa não apresentam «os grandes músicos mais conhecidos» daquele país, mas ainda assim vão mostrar «a alma da música checa, a profundidade e a espiritualidade do que é a música checa».

 

Sara Fonseca, diretora executiva, com a ovelha mascote

Este ano a grande novidade é mesmo o «Kids Terras sem Sombra», um núcleo programático que pretende reunir as famílias em torno da música e dos patrimónios artístico e natural. O Terras Kids «procura romper barreiras e tocar o público infanto-juvenil, as famílias e a comunidade escolar», através de uma oferta «também muito qualificada», como explicou José António Falcão.

Sara Fonseca, diretora executiva do certame, apresentou a «ovelha que é a avó do Kids», a simpática mascote feita com lã de ovelha alentejana. As atividades irão partir das fábulas de La Fontaine, adaptadas à realidade do território, para trabalharem os temas da música, do património e da biodiversidade, acrescentou.

Graças ao apoio da Fundação Millenium/BCP, e de dois «parceiros do território», a ACOS e a EDIA, haverá mesmo «dois fins de semana Kids», um deles em Beja (Abril), outro em Castelo de Vide (aproveitando o feriado de 1 de Maio, que este ano calha à sexta-feira).

 

 

Em 2020, estão programados 13 concertos, que abarcam um amplo repertório musical desde a Idade Média até à atualidade. O festival vai passar por Vidigueira, Barrancos, Mértola, Arraiolos, Viana do Alentejo, Beja, Ferreira do Alentejo, Castelo de Vide, Sines, Alter do Chão, Santiago do Cacém e Odemira, mais três concelhos que no ano passado.

Do cartaz, fazem parte o Tiburtina Ensemble, que abre o festival no dia 18 de Janeiro, na Igreja Matriz de São Cucufate (Vila de Frades, Vidigueira), o violoncelista Pedro Bonet (Barrancos, 1 de Fevereiro), o contratenor José Hernández Pastor (Mértola, 15 de Fevereiro) a flautista Monika Streitová e a pianista Ana Telles, que vão interpretar obras de compositoras para Flauta e Piano (Arraiolos, 29 de Fevereiro), o ensemble La Ritirata (21 de Março, Viana do Alentejo), o Kállai String Quartet (4 de Abril, Beja), a soprano Andion Fernandez acompanhada pelo pianista Alberto Urroz (no Lagar da Herdade do Marmelo, em Figueira dos Cavaleiros, Ferreira do Alentejo, a 18 de Abril), o grupo vocal Utopia Ensemble (Castelo de Vide, a 2 de Maio), o Clarinet Factory (Sines, 16 de Maio), e o ensemble Cupertinos, que apresentam o concerto “Salve Regina: O Culto de Maria na Obra de D. Pedro de Cristo” (Alter do Chão, 30 de Maio).

Este ano, a programação inclui mesmo um «concerto-surpresa», no dia 13 de Junho, num «lugar-surpresa» e a «uma hora-surpresa». Na apresentação, não foi levantado o véu sobre o que será esta atividade, mas a ideia passará por conjugar a tradição dos Santos Populares com o Solstício de Verão.

Depois deste «concerto-surpresa», o Terras sem Sombra continua com o Smetana Trio (Santiago do Cacém, 27 de Junho) e, a fechar, a Orquestra Barroca Musica Florea, que apresenta um concerto de música dos séculos XVII e XVIII, intitulado “Deus, Pátria, Rei: A Música da Era Barroca em Praga”, marcado para 11 de Julho, em Vila Nova de Milfontes (Odemira).

 

Petr Selepa, embaixador da República Checa, e José António Falcão, diretor geral do FTSS

Ponto alto do Terras sem Sombra são sempre as visitas guiadas, por especialistas, ao património cultural e arquitetónico, feitas aos sábados à tarde, antes dos concertos, que são à noite. Este ano, entre outras, está prevista uma visita ao sítio arqueológico romano de São Cucufate, na Vidigueira, um encontro sobre o barranquenho, «a língua – não oficial – da zona raiana de Barrancos», uma visita sobre o legado islâmico em Mértola, outras sobre os Tapetes de Arraiolos, ou sobre o Chocalho e a Arte Chocalheira, uma visita com «inveja das águias reais» no Castelo de Beja, outra sobre as memórias judaicas de Castelo de Vide, a cestaria em Odivelas, no concelho de Ferreira do Alentejo, as artes tradicionais da pesca, em Sines, a Coudelaria de Alter, o sítio arqueológico de Miróbriga (Santiago do Cacém) ou o Forte de São Clemente, em Vila Nova de Milfontes.

A edição do Terras sem Sombra deste ano vai igualmente promover visitas e ações de salvaguarda da biodiversidade, nos laranjais da Vidigueira, no rio Ardila, que nasce em Espanha e desagua na margem esquerda do rio Guadiana, próximo de Moura e Barrancos, uma iniciativa de sensibilização sobre agricultura sustentável em Mértola e outra sobre a proteção da raça bovina Garvonesa ou Chamusca, na Herdade da Mata, em Alcáçovas.

O uso alimentar da bolota colhida nos montados de Arraiolos, a produção artesanal da cal, na freguesia de Trigaches, em Beja, as redes funcionais da biodiversidade de Ferreira do Alentejo, a Serra de São Mamede, em Castelo de Vide, os peixes, moluscos e crustáceos, em Sines, o cavalo Lusitano em Alter do Chão, os pomares e outros recantos da Quinta dos Olhos Belidos, em Santiago do Cacém, e o uso da salada na dieta mediterrânica, em Vila Nova de Milfontes, são outros temas abordados nas atividades de promoção da biodiversidade nesta edição do Terras Sem Sombra.

Todas as atividades do Festival, que é organizado pela associação Pedra Angular, com múltiplas parcerias, são de entrada livre e sem inscrição prévia, bastando comparecer à hora indicada, no local indicado, para poder participar.

 

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Fotos: Nuno Costa | Sul Informação

 

 

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