Movimento de cidadãos lança petição para exigir menos agricultura intensiva no Sudoeste

Petição online já leva mais de 2000 assinaturas

«Juntos pelo Sudoeste» é o nome do movimento criado por um grupo de cidadãos de Odemira e Aljezur, que acaba de lançar uma petição, que, em pouco tempo, já conseguiu mais de 2000 assinaturas.

O movimento defende «convictamente que o Estado deve proibir a instalação de mais área agrícola intensiva sob cobertura ou ao ar livre, enquanto não forem resolvidos todos os graves problemas provocados por essa indústria nos concelhos de Odemira e Aljezur».

Preconiza ainda que «qualquer nova exploração» deve depender de «estudos de impacto ambiental e social, bem como de aprovação prévia do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF)».

O movimento exige, assim, a «revogação imediata» da Resolução do Conselho de Ministros (RCM), aprovada a 24 de Outubro do ano passado, que estabelece um regime especial e transitório para o Aproveitamento Hidroagrícola do Mira (PRM – Perímetro de Rega do Mira), grande parte dele situado em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNCVSA).

Aquela Resolução do Conselho de Ministros, acusam os cidadãos signatários da Petição, «autoriza o triplo da atual área agrícola coberta por plástico, que se estima rondar os 1.600 hectares (11% do PRM), para um máximo de 4.800 hectares (40% do PRM), permitindo a expansão de práticas agrícolas que apostam na utilização intensiva de água para rega, plásticos, fertilizantes e pesticidas sintéticos, e que dependem de uma longa cadeia de distribuição até chegar ao consumidor final, assim como da contratação de milhares de trabalhadores asiáticos, que têm acorrido à região em condições pouco claras».

Ora, defende o movimento, a RCM «vem dar uma resposta descarada às exigências e pressões do lobby da indústria agrícola intensiva, em vez de avaliar e debater seriamente a situação, e trazer soluções às preocupações reais da população e de outros setores sócio-económicos fundamentais».

Este movimento de cidadãos solicita também que sejam consideradas «as recomendações do relatório do Grupo de Trabalho do Mira, constituído em Agosto de 2018, para avaliar a compatibilização da atividade agrícola no PRM com a biodiversidade, os recursos hídricos, a gestão do território e o ordenamento do PNSACV, inclusive os pedidos de reforço urgente dos serviços públicos, de saúde e infraestruturas, solicitados pelos autarcas de Odemira e Aljezur».

Aliás, nesta luta os cidadãos não estão sozinhos, já que os presidentes das Câmaras Municipais de Aljezur e Odemira tornaram pública, em Novembro passado, uma Posição Conjunta sobre esta decisão do Governo, manifestando-se «preocupados com os efeitos práticos decorrentes da RCM que permite a continuada densificação de culturas protegidas e consequente pressão social».

José Alberto Guerreiro, autarca odemirense, tinha mesmo defendido, na entrevista que deu ao Sul Informação, que «tem de haver responsabilidade superior no acompanhamento, fiscalização, monitorização e, obviamente, na articulação com as entidades locais», quer no que diz respeito ao alargamento da área de estufas, quer no que diz respeito à angariação de mão de obra.

 

Para o movimento «Juntos pelo Sudoeste», «urge igualmente fazer o levantamento e fiscalização de todas as empresas a operar no PRM, dentro do PNSACV, uma vez que nenhuma entidade (ICNF, Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural, Municípios de Odemira e de Aljezur) sabe em rigor a área de agricultura intensiva, nem as quantidades de fitofármacos aplicados, ou qual o impacto na qualidade do ar, água e solo, ou ainda se são tomadas medidas de proteção dos valores naturais e recursos do PNSACV».

Outro aspeto da RCM criticado pelos autores da Petição é a possibilidade de «instalação de “cidades” de contentores para albergar trabalhadores dentro das explorações agrícolas, que podem vir a alojar mais 36.000 pessoas, além das 10.000 que se estima já estarem no território, ultrapassando regras de edificação que a restante população é obrigada a seguir».

Sara Serrão, representante do movimento de cidadãos, ouvida pela Rádio Renascença, salienta que essa não é a solução para diminuir o problema do crescimento de imigrantes na região. «A região não comporta mais gente sem o reforço dos serviços públicos e infraestruturas. Os contentores também não resolvem as falhas e os problemas existentes».

Por isso, face ao que classificam como «avanço descontrolado das explorações agrícolas«, defendem que «é urgente travar este avanço e proteger as zonas sensíveis do ponto de vista ecológico, assim como as populações nos aglomerados urbanos, das contaminações que esta agro-indústria provoca». Para isso, consideram «imperativo» a demarcação de «uma faixa mínima de 1.000 metros a partir da linha de costa e de 500 metros dos perímetros urbanos, livres de agricultura intensiva».

A terminar, a Petição lançada pelo movimento de cidadãos «Juntos pelo Sudoeste» defende que «por uma questão de sobrevivência e legado para as gerações futuras, num quadro sério de crise climática e escassez de água, e quando a União Europeia (UE) acaba de estabelecer o Pacto Ecológico Europeu para a neutralidade carbónica da UE até 2050, é fundamental apostar na transição ecológica e energética do sector para uma agricultura baseada nos princípios da agroecologia, de acordo com os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas e nas directivas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura».

Na terça-feira passada, a ministra da Agricultura, na audição parlamentar sobre o Orçamento do Estado, voltou a justificar as medidas inscritas na Resolução de Conselho de Ministros, respondendo a uma questão que lhe foi colocada pelo Bloco de Esquerda.

«Há efetivamente um problema no Perímetro de Rega do Mira. Não escondemos e não colocamos a cabeça na areia. Não quisemos criar residências efetivas de imigrantes. O que fizemos foi criar condições para, num modelo de transição, podermos garantir a mão de obra para as explorações. E com isso as autarquias, em parceria com os ministérios, encontrem forma de integrar estas pessoas», respondeu Maria do Céu Albuquerque.

«Repito também que as estufas não continuam a crescer. Esta Resolução de Conselho de Ministros diminui a área», acrescentou a ministra.

Comentando esta resposta da governante, o movimento «Juntos pelo Sudoeste», contra-ataca, na sua página de Facebook: «a Resolução “atira-nos areia para os olhos”, ao não ter a coragem e seriedade de colocar um ponto final na expansão da agricultura intensiva, estancando-a pelo menos na escala atual, que já coloca em causa o equilíbrio ambiental, paisagístico, social e económico do território do Sudoeste Português».

«Por outro lado, alguém acredita que o alojamento de milhares de imigrantes em contentores em pleno Parque Natural vai ocorrer apenas num período transitório de dez anos? Sabemos bem que em Portugal o “transitório” passa com grande facilidade a “definitivo”», concluem.

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